quarta-feira, 30 de junho de 2021

Orixá IBEJI

    Um dos Orixás mais conhecidos do meio religioso Afro-brasileiro e da Umbanda é IBEJI; ou, como costumam chamá-lo, "Cosme e Damião". Por outro lado, paira muito desconhecimento ou desinformação sobre esse magnífico Orixá, muitas vezes identificado (erroneamente) como o mesmo que Erê. Antes de explicar um pouco sobre Ele (ou "Eles"), vejamos os itans (histórias contadas, mitologia).

   Conta um itan que os Ibejis são "filhos de barriga de Iansã e que foram abandonados nas águas, encontrados por Oxum, quem os criou como se fossem filhos seus" (Tradição Oral).

   Outro itan dos povos yorubas diz que: "Os únicos que conseguiram enganar a morte foram duas crianças, os Ibejis. Diziam que, numa época, Iku (Orixá da Morte) decepava a vida das pessoas de uma aldeia, antes da hora de suas mortes. Para solucionar o problema, buscaram ajuda do Oráculo de Ifá, que invocou os Ibejis. Porém, ninguém levou a sério que duas crianças fosse dar fim na carnificina. Os Ibejis tinham um plano para enganar a Morte. Enquanto um deles tocava tambor, o outro convidava Iku a dançar. Iku se encantou com o cortejo dos gêmeos e começou a dançar freneticamente, o que fez com que se desgastasse demais, à exaustão, enquanto os gêmeos revezavam a dança para poderem descansar. Iku desgastou-se tanto que não podia mais continuar sua matança e acabou indo embora da aldeia, deixando todos em paz. Para agradecer o fim da ameaça da morte, os gêmeos foram presenteados com muitos doces e brinquedos pelos aldeões. Essa tradição trazida pela diáspora africana ainda permanece nos tempos atuais" (Tradição Oral).

   IBEJI, na nação Ketu (ou Vunji, nas nações Angola e Congo), é o Orixá "Criança", Divindade da brincadeira e da alegria, associado à infância. Rege a alegria, a inocência e a ingenuidade. Representa tudo que existe de bom, belo e puro. Está sempre presente nos rituais do Candomblé e da Umbanda, assim como Exú. Ambos, se não forem bem cuidados, podem atrapalhar os trabalhos com as suas confusões, travessuras ou brincadeiras infantis, desvirtuando a concentração dos membros de uma "Casa de Santo".

    IBEJI é associado ao princípio da DUALIDADE, por isso rege o Odu 2 (Ejiokô). O número 2 (dualidade) representa a união, a associação, o princípio dos opostos (dia e noite, encima e embaixo, yin e yang, masculino e feminino, etc), o namoro, o casamento, os casais. Apesar de identificarmos IBEJI como "Gêmeos", trata-se de UM Orixá somente, que é entendido como dois irmãos gêmeos, indissociáveis, duas personas de uma única essência, um único ser. Sim, incompreensível, um Mistério de Deus! Por isso, acabou sincretizado com os Santos Católicos Cosme e Damião, que são gêmeos.

   Na Umbanda (a depender da vertente), é integrado às Linhas: das Mães d'Agua; de Oxum; de Yemanjá; de Oxalá; do Amor na Umbanda Sagrada (Oxum e Oxumarê); ou Linha de Yori* na Umbanda Esotérica.

   Ibeji está ligado à beleza, ao arco-íris, às cores, às agregacões, ao reluzente, à beleza, ao ouro, aos caminhos, ao amor, à maternidade, ao afeto, etc. Também está associado às contradições, mas no sentido de que existem, muitas vezes, "dois lados" de uma história e que devemos entender ambos, para agir com Justiça.

   Segundo todos esses aspectos, podemos entender o sentido do itan que conta como os Ibejis "enganaram a morte". Suas qualidades de alegria, renovação, beleza, movimento (danças) e desapego são tudo aquilo que é oposto à morte, à doença, à maldade, a malícia. Ou seja, uma vida próspera, alegre, com amor, doçura, encanto e "inocência", é uma vida que anda, que evolui, e afasta a "morte", a depressão, a doença, a angústia, o amargo. "Morte" no sentido não só restrito (o fim da vida), mas amplo, pois, pior que a morte física é a morte "do espírito" ou a morte "como pessoa", ter uma vida amarga, sem esperança, sem fé e sem amor.

   O dia 27 de setembro é comemorado em homenagem a Cosme e Damião ou IBEJI. Os devotos têm o costume de fazer caruru (comida típica da tradição afro-brasileira) e dar para as crianças nesse dia, bem como distribuir diversos tipos de doces.

   Filhos de Ibeji são pessoas com temperamento infantil, jovialmente inconsequentes. São brincalhões, sorridentes, irrequietos. Muito dependentes nos relacionamentos amorosos e emocionais, podendo ser obstinados e possessivos. Podem, também, apresentar bruscas variações de temperamento e uma certa tendência a simplificar as coisas.

   IBEJI é constantemente confundido com os ERÊS na Umbanda. Bem, é muito evidente que há uma relação entre eles, talvez por ambos serem crianças e terem os atributos infantis.

   Ibeji é um Orixá, uma Divindade de Deus. Erês são Entidades que se manifestam com o Arquétipo de crianças, representando o Orixá Ibeji na Umbanda. E trabalhando, claro, sob sua regência e também na de outros Orixás.


   

domingo, 27 de junho de 2021

Firmeza de "Contra-Ajé"

    A palavra "Ajé", de origem yorubá,  pode ser traduzida aproximadamente com o significado de "Feitiçaria ou Feitiço". Na prática, é o oposto de "Axé", que pode ser traduzido como "Boas Energias, Fortaleza, Poder, Prosperidade ou Bons Agouros". Uma das finalidades de uma Gira de Umbanda, ou Ato Religioso, é que possamos trazer o Axé dos Orixás e das Entidades, para realização religiosa e magística apropriadas, atingindo assim o bem maior, individual e coletivo.

   Realizar uma firmeza de "Contra-Ajé" significa montar um firmamento, ativá-lo e deixá-lo próximo à porta de entrada de rua de um local. O propósito é, portanto, PROTEGER o Terreiro, o ambiente, a casa, as pessoas, os médiuns e tudo que não deva se "negativar" dentro desse local, sendo que a abrangência de forças dessa firmeza se restringe somente a essa área específica e aos que ali adentrarem ou estiverem.

   Via de regra, qualquer firmeza de proteção firmada na entrada de um ambiente é considerado um "Contra-Ajé".

   Tradicionalmente, o Candomblé e algumas vertentes de Umbanda utilizam como base: ovos, alguidar, dendê e oagi. Mas muitas formas de se montar podem existir, sendo o limite o conhecimento de quem o faz.

   Os "Contra-Ajé" costumam ser feitos com 7 ovos, dispostos dentro de 1 alguidar de barro e regados com dendê e salpicados com oagi, às vezes com um pouco de água.

   A lógica, ou fundamento disso, remete-se mais propriamente aos elementos:


TERRA => Alguidar - Axé Preto

                   Omolu e Linha das Almas

FOGO => Dendê - Axé Vermelho

                 Iansã, principalmente

AR => Oagi - Axés Preto e Branco

            Ogum, principalmente

ÁGUA => Água - Axé Branco

                Oxum, principalmente

OVOS => Na Tradição Yorubá, o ovo representa a vida e a fertilidade, fundamentado em Mãe Oxum, pois o ovo é de onde a vida é concebida, é a representação de uma vida que nasce. Oxum também está ligada às Senhoras Yami-Oxorongá, que são Elementais de polaridade Negativa, alimentando-se da negatividade absorvida no mundo humano, também das Casa de Axé, que no caso é pra proteção. E o ovo, quando manipulado por Exu, afasta fofocas, fuxicos, brigas, discussões, entre outras funções de proteção.

   Portanto, ao firmarmos um "Contra-Ajé", estamos ativando um poder que servirá como uma espécie de "pára-raios" absorvedor da negatividade do ambiente, das pessoas, das "formas-pensamento" e dos procedimentos religiosos e magísticos. 

   Caso o médium tenha conhecimento, poderá firmar seu "Contra-Ajé" com Poderes e Forças mais específicas às finalidades que deseja, conectando-o mais eficientemente as Forças e Poderes do Terreiro e/ou da Gira que será realizada.

   Apenas para elucidar, um "Contra-Ajé" pode ser com 5 ovos, 9 ovos; pode-se combinar o uso de outros pós (por exemplo, ossun ou enxofre); pode-se usar cebola, parafusos, arruda, velas, côco, garra-de-exu, olhos de cabra, etc.

   Mas, Deve-se ter conhecimento e experiência para se utilizar dos benefícios dessa Firmeza, além do típico e básico (Alguidar, ovos, dendê e oagi). 

   Um velho ditado já diz: "Não mexa com aquilo que não sabe e não conhece". Portanto, mais vale uma Firmeza simples, bem feita, montada com conhecimento de causa e ativada com Fé, do que "inventar" algo que não sabe e acabar se prejudicando e aos outros.

domingo, 13 de junho de 2021

Umbanda cultua Orixá?

 Existem alguns desentendimentos no seio religioso umbandista quando se discute sobre "Culto a Orixás" e este esboço vai ao encontro de levar um pouco de esclarecimentos ao praticante, se na Umbanda se cultua ou não se cultua Orixás.
   Primeiramente, gostaria de expor conceitos sobre o que significa "cultuar":

   "No contexto religioso litúrgico, um culto (do termo latino cultu) constitui um conjunto de atitudes e ritos pelos quais um grupo de fiéis adora ou venera uma divindade."

FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1986. p. 508.

  Existe um termo grego λατρεια (latreuo) que significa ADORAR. É muito utilizado teologicamente, especialmente pelo Catolicismo e Ortodoxia, que é o devido culto somente a Deus.
  Como adendo, gostaria de dizer que também existe outro termo grego que é utilizado teologicamente, que é δουλεια (douleuo) que significa HONRA, que é o que consideramos como veneração aos "Santos".
   Ora, sabemos que a Umbanda é uma religião que reconhece a existência de UM ÚNICO DEUS, que chamamos de Olorum, Zambi ou Olodumare. Mas vale lembrar que o conceito de Deus na Umbanda é Panenteísta.

   "PANENTEÍSMO pode ser entendido como uma forma de "Monoteísmo" combinada com "Panteísmo", afirmando que Deus é o "TUDO" da existência, está inserido na existência, mas NÃO é idêntico a esse "tudo", tem suas próprias essência e pessoa. Logo, Deus é tanto IMANENTE (está na Criação) quanto TRANSCENDENTE (transcende a Criação, tendo sua particularidade, "além" e "maior" que a Criação)."


   Baseando-nos nestes conceitos aqui expostos, concluímos que a Umbanda tem, portanto, seu Culto a Deus. E, uma vez que Deus manifesta-se na Criação através de Seu Espírito, Imanente, que são as Sete Linhas, podemos definir que a Umbanda tem nas Sete Linhas um dos princípios básicos de Culto a Deus.
   Às Sete Linhas são as Irradiações, Energias, Magnetismos, Essências, Fatores, etc, que emanam de Deus e Geram TUDO que existe, sendo a fonte de Suas Divindades, os Orixás.
   Deus, através da sua Manifestação das Sete Linhas, Gera os Sagrados Orixás (Maiores) de Si e estes são, cada qual, uma qualidade de Deus, atrelado a uma Linha Primordial da Umbanda.
   Se a Umbanda tem como base o Culto a Deus e Suas Sete Linhas, então Suas Qualidades, os Sagrados Orixás, são também cultuados.
   Os Orixás Maiores são manifestações do próprio Deus na Criação, são Suas Divindades, cujo alcance é infinito em todos os níveis, dimensões, realidades e faixas vibratórias, atrelados cada um no limite dos seus aspectos, qualidades, essências, atributos e atribuições.
   A partir Deles, toda uma Hierarquização de Tronos, Graus e Degraus passam a ocupar determinadas "abrangências" da existência, onde Seres Ascensionados ocupam tal posição e são assim os "Orixás Intermediários" e "Orixás Intermediadores", em todos os níveis e sub-níveis da Criação.
   Na religião de Umbanda, alguns desses Orixás geram e regem os Poderes e Forças das Linhas de Trabalho, em que espíritos de alta evolução ocupam e manifestam esses poderes e forças, agregando espíritos e fornecendo suas "armas" e são identificados por nomes simbólicos, formando-se assim as Falanges de Trabalho, da Direita e da Esquerda; são nossas Entidades ou Guias.
   Entidades são espíritos desencarnados de ancestrais que podem ser incorporados por médiuns durante os cultos nos terreiros de Umbanda, que cumprem funções ligadas à cura, ao aconselhamento, etc, e são descritas como tipos populares da realidade social brasileira.
   Portanto, a Umbanda crê na existência de uma Fonte Criadora Universal, um Deus Supremo e pratica o culto aos Orixás como manifestações divinas, onde cada Orixá se confunde com um elemento da natureza, do planeta ou da própria personalidade humana.
  A mediunidade é a forma de contato entre o mundo físico e o espiritual, em que há a manifestação das Entidades ou Guias, espíritos em processo de evolução, para exercerem o trabalho espiritual, incorporado em seus médiuns, organizados em Falanges, Agrupamentos, Linhas de Trabalho ou Planos de Evolução.
  Entendidos esses princípios teológicos, podemos considerar que os espíritos trabalhadores da Seara Umbandista devam ser HONRADOS ou VENERADOS, em que se caracteriza o conceito de
δουλεια - douleuo (explicado já neste texto acima).
   Portanto, a UMBANDA CULTUA OS ORIXÁS, mas à sua maneira! Não podemos confundir o quê é cultuar Orixá na Umbanda e o quê é cultuar Orixá no Candomblé.
   O Candomblé tem toda sua própria ritualística, sua Iniciação, suas Obrigações, seus Sacrifícios Sagrados, suas Comidas de Santo, etc, que são tradições milenares herdadas da África e re-implantadas no Brasil na formação dos Cultos de Nação. O Candomblé tem nos ITANS (mitos) as bases de interpretação das caracterizações, definição de enredo, de caminhos dos Orixás, suas histórias, etc.
   A Umbanda tem como fonte, como uma das suas matrizes formadoras, os Orixás do Candomblé e algumas práticas e ritualísticas, mas tem outra interpretação dos Orixás, não inventadas ou mudadas, mas sim re-interpretadas. Não se mudam os Orixás! Seus fundamentos, suas bases, suas comidas, suas quizilas, etc, são RE-INTERPRETADAS na Umbanda!
   Dizer que a Umbanda NÃO CULTUA Orixás É NEGAR suas bases primordiais, seus fundamentos pétreos. Mas não cultuamos como nos Candomblés, isso é fato, por isso a negação dos Candomblecistas em afirmar que não existe culto dessas Divindades na Umbanda.
   Espero que este texto sirva de instrução e esclarecimento. Não é intento criar discórdia ou gerar o ódio entre as religiões, mas cada uma no seu campo teológico.


Pai Juliano de Oxalá

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